A Conferência Geral,
Recordando que o Preâmbulo da Constituição da UNESCO refere o "ideal democrático
de dignidade, igualdade e respeito pela pessoa humana", rejeita qualquer "dogma da
desigualdade das raças e dos homens", estabelece que "a difusão da cultura e a
educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são indispensáveis à
dignidade humana e constituem um dever sagrado que todas as nações devem cumprir
com espírito de assistência mútua", proclama que "para que a paz subsista deverá
assentar na solidariedade intelectual e moral da humanidade" e declara que a
Organização procura promover "mediante a cooperação das nações do Mundo nos
domínios da educação, da ciência e da cultura, os objetivos de paz internacional e bem-estar
comum da humanidade, que presidiram à criação da Organização das Nações
Unidas e que a respectiva Carta proclama",
Recordando solenemente o seu apego aos princípios universais de direitos humanos,
afirmados nomeadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de
Dezembro de 1948, e nos dois Pactos Internacionais das Nações Unidas sobre os
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de
Dezembro de 1966, na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de
Genocídio, das Nações Unidas, de 9 de Dezembro de 1948, na Convenção Internacional
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, das Nações Unidas,
de 21 de Dezembro de 1965, na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes
Mentais, das Nações Unidas, de 20 de Dezembro de 1971, na Declaração dos Direitos
das Pessoas Deficientes, das Nações Unidas, de 9 de Dezembro de 1975, na Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, das
Nações Unidas, de 18 de Dezembro de 1979, na Declaração dos Princípios Básicos de
Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, das Nações Unidas,
de 29 de Novembro de 1985, na Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações
Unidas, de 20 de Novembro de 1989, nas Regras Gerais sobre a Igualdade de
Oportunidades para Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas, de 20 de Dezembro
de 1993, na Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, da Produção e do
Armazenamento das Armas Bacteriológicas (Biológicas) ou Tóxicas e sobre a Sua
Destruição, de 16 de Dezembro de 1971, na Convenção relativa à Luta Contra a
Discriminação no Campo do Ensino, da UNESCO, de 14 de Dezembro de 1960, na
Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional, da UNESCO, de 4 de
Novembro de 1966, na Recomendação da UNESCO sobre o Estatuto dos Investigadores
Científicos, de 20 de Novembro de 1974, na Declaração sobre a Raça e os Preconceitos
Raciais, da UNESCO, de 27 de Novembro de 1978, na Convenção n.º 111 da OIT,
sobre a Discriminação em matéria de Emprego e Profissão, de 25 de Junho de 1958, e
na Convenção n.º 169 da OIT, relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países
Independentes, de 27 de Junho de 1989,
Tendo presentes, e sem prejuízo das respectivas disposições, os instrumentos
internacionais que podem relacionar-se com as aplicações da genética na área da
propriedade intelectual, nomeadamente a Convenção de Berna para a Proteção das
Obras Literárias e Artísticas, de 9 de Setembro de 1952, revista em Paris a 24 de
Julho de 1971, a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Intelectual, de 20
de Março de 1883, revista em Estocolmo a 14 de Julho de 1967, o Tratado de Budapeste
sobre o Reconhecimento Internacional do Depósito de Microrganismos para Efeitos do
Procedimento em Matéria de Patentes, da OMPI, de 28 de Abril de 1977, e o Acordo
sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o
Comércio (TRIPS) anexo ao Acordo Que Cria a Organização Mundial do Comércio,
que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1995,
Tendo também presente a Convenção sobre a Diversidade Biológica, das Nações
Unidas, de 5 de Junho de 1992, e destacando a este respeito que o reconhecimento da
diversidade genética da Humanidade não pode dar origem a qualquer interpretação de
natureza social ou política que possa pôr em causa a "dignidade inerente a todos os
membros da família humana e [os] seus direitos iguais e inalienáveis", em
conformidade com o Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
Recordando as Resoluções 22 C/13.1, 23 C/13.1, 24 C/13.1, 25 C/5.2, 25 C/7.3, 27
C/5.15, 28 C/0.12, 28 C/2.1 e 28 C/2.2, que instam a UNESCO a promover e
desenvolver estudos na área da ética, e medidas a adotar na sequência dos mesmos,
sobre as consequências do progresso científico e tecnológico nos domínios da biologia e
da genética, no âmbito do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais,
Reconhecendo que a investigação sobre o genoma humano e suas consequentes
aplicações abre amplas perspectivas de progresso ao nível da melhoria da saúde dos
indivíduos e da Humanidade no seu conjunto, mas sublinhando que tal investigação
deve respeitar plenamente a dignidade humana, a liberdade e os direitos humanos, bem
como a proibição de todas as formas de discriminação com base nas características
genéticas,
Proclama os princípios seguintes e adota a presente Declaração.
A. Dignidade humana e Genoma Humano
Artigo 1
O genoma humano tem subjacente a unidade fundamental de todos os membros da
família humana, bem como o reconhecimento da sua inerente dignidade e diversidade.
Em sentido simbólico, constitui o patrimônio da Humanidade.
Artigo 2
a) Todas as pessoas têm direito ao respeito da sua dignidade e dos seus direitos,
independentemente das respectivas características genéticas.
b) Essa dignidade impõe que os indivíduos não sejam reduzidos às suas características
genéticas e que se respeite o carácter único de cada um e a sua diversidade.
Artigo 3
O genoma humano, que é por natureza evolutivo, está sujeito a mutações. Contém
potencialidades que se manifestam de formas diferentes de acordo com o ambiente
natural e social de cada indivíduo, incluindo o respectivo estado de saúde e as
respectivas condições de vida, alimentação e educação.
Artigo 4
O genoma humano no seu estado natural não deverá dar origem a benefícios
pecuniários.
B. Direitos das pessoas em causa
Artigo 5
a) A investigação, o tratamento ou o diagnóstico que afetem o genoma de um
indivíduo só deverão ser levados a cabo depois de uma avaliação rigorosa e prévia dos
potenciais riscos e benefícios associados e caso se encontrem preenchidos todos os
requisitos impostos pela legislação interna.
b) Em todos os casos, será obtido o consentimento prévio, livre e informado da pessoa
em questão. Se esta última não estiver em condições de prestar consentimento, será
obtido o consentimento ou a autorização da forma prescrita por lei e orientada pelo
interesse superior da pessoa.
c) Deve ser respeitado o direito de cada indivíduo a decidir se quer ou não ser
informado dos resultados de um exame genético e suas consequências.
d) No caso das investigações, os protocolos de investigação serão, além disso, objeto
de uma avaliação prévia em conformidade com as pertinentes normas ou diretrizes
nacionais e internacionais sobre a matéria.
e) Caso, nos termos da lei, a pessoa careça de capacidade para prestar consentimento, a
investigação que afete o seu genoma só pode ser levada a cabo em benefício direto da
sua saúde, e sem prejuízo da autorização e das medidas de proteção estabelecidas por
lei. A investigação que não se espere vir a resultar num benefício direto para a saúde só
pode ser levada a cabo a título excepcional, com a máxima contenção, expondo a pessoa
unicamente a riscos mínimos e transtornos mínimos e caso se destine a resultar em
benefício para a saúde de outras pessoas da mesma faixa etária ou com as mesmas
características genéticas, sem prejuízo das condições estabelecidas por lei, e desde que
tal investigação seja compatível com a proteção dos direitos humanos da pessoa.
Artigo 6
Nenhuma pessoa será sujeita a discriminação com base nas características genéticas,
que tenha como objetivo ou como efeito atentar contra os direitos humanos, as
liberdades fundamentais e a dignidade humana.
Artigo 7
Deverá respeitar-se o sigilo, nas condições estabelecidas por lei, dos dados genéticos
associados a uma pessoa identificável e armazenados ou processados para fins de
investigação ou para qualquer outro fim.
Artigo 8
Toda a pessoa tem direito, em conformidade com o direito internacional e nacional, a
uma justa reparação de quaisquer danos sofridos cuja causa direta e determinante tenha
sido uma intervenção que haja afetado o seu genoma.
Artigo 9
A fim de proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais, as restrições aos
princípios do consentimento e do sigilo têm de ser fixadas por lei, por razões imperiosas
e dentro dos limites estabelecidos pelo direito internacional público e pelas normas
internacionais de direitos humanos.
C. Investigação na área do Genoma Humano
Artigo 10
Nenhuma investigação na área do genoma humano ou respectivas aplicações, em
particular nas áreas da biologia, da genética e da medicina, deve prevalecer sobre o
respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela dignidade das
pessoas ou, se for caso disso, dos grupos de pessoas.
Artigo 11
As práticas que sejam contrárias à dignidade humana, como a clonagem de seres
humanos para fins reprodutivos, não serão permitidas. Os Estados e as organizações
internacionais competentes são convidados a cooperar na identificação de tais práticas e
na adoção, a nível nacional ou internacional, das medidas necessárias para garantir o
respeito dos princípios enunciados na presente Declaração.
Artigo 12
a) Os benefícios dos progressos nas áreas da biologia, da genética e da medicina,
relativos ao genoma humano, serão postos à disposição de todos, tendo devidamente em
conta a dignidade e os direitos humanos de cada pessoa.
b) A liberdade de investigação, que é necessária para o progresso do conhecimento, faz
parte integrante da liberdade de pensamento. As aplicações da investigação,
nomeadamente nas áreas da biologia, da genética e da medicina, relativas ao genoma
humano, procurarão aliviar o sofrimento e melhorar a saúde das pessoas e da
Humanidade no seu conjunto.
D. Condições para o exercício da Atividade Científica
Artigo 13
As responsabilidades inerentes às atividades dos investigadores, incluindo o rigor, a
prudência, a honestidade intelectual e a integridade na realização das investigações, bem
como na apresentação e utilização das suas conclusões, devem ser objecto de particular
atenção no âmbito das investigações sobre o genoma humano, devido às suas
implicações éticas e sociais. Os responsáveis pela definição de políticas científicas
públicas e privadas têm também particulares responsabilidades neste domínio.
Artigo 14
Os Estados devem adotar medidas adequadas para fomentar as condições intelectuais e
materiais favoráveis à liberdade na realização de investigações sobre o genoma humano
e ter em conta as implicações éticas, jurídicas, sociais e econômicas de tais
investigações, com base nos princípios enunciados na presente Declaração.
Artigo 15
Os Estados devem tomar providências adequadas para proporcionar um enquadramento
favorável ao livre exercício da investigação sobre o genoma humano tendo devidamente
em conta os princípios enunciados na presente Declaração, a fim de salvaguardar o
respeito pelos direitos humanos, liberdades fundamentais e dignidade humana e
proteger a saúde pública. Devem tentar assegurar-se de que os resultados das
investigações não são utilizados para fins não pacíficos.
Artigo 16
Os Estados devem reconhecer o valor da promoção, a vários níveis e conforme
necessário, do estabelecimento de comités de ética independentes, multidisciplinares e
pluralistas, a fim de estudar as questões éticas, jurídicas e sociais suscitadas pelas
investigações sobre o genoma humano e suas aplicações.
E. Solidariedade e Cooperação Internacional
Artigo 17
Os Estados devem respeitar e promover a prática da solidariedade para com indivíduos,
famílias e grupos da população que estejam particularmente vulneráveis ou sejam
afetados por doença ou deficiência de natureza genética. Devem fomentar,
nomeadamente, a investigação sobre a identificação, prevenção e tratamento das
doenças de origem genética e influenciadas por fatores genéticos, em particular
doenças raras, bem como doenças endêmicas que afetem uma parte considerável da
população mundial.
Artigo 18
Os Estados devem envidar todos os esforços, tendo devida e adequadamente em conta
os princípios consagrados na presente Declaração, para continuar a fomentar a difusão,
a nível internacional, de conhecimentos científicos relativos ao genoma humano, à
diversidade humana e à investigação na área da genética e, a este respeito, para
promover a cooperação científica e cultural, particularmente entre países
industrializados e países em vias de desenvolvimento.
Artigo 19
a) No âmbito da cooperação internacional com os países em vias de desenvolvimento,
os Estados devem tentar fomentar a adoção de medidas que permitam:
(I) Que se proceda a uma avaliação dos riscos e benefícios das investigações sobre o
genoma humano e que se previnam os abusos;
(II) Que se desenvolva e reforce a capacidade dos países em vias de desenvolvimento
para levar a cabo investigações na área da biologia humana e da genética, tendo em
consideração os seus problemas específicos;
(III) Que os países em vias de desenvolvimento beneficiem dos resultados da
investigação científica e tecnológica, para que a sua utilização em prol do progresso
económico e social possa ser benéfica para todos;
(IV) Que se promova o livre intercâmbio de conhecimentos científicos e de informação
nas áreas da biologia, da genética e da medicina.
b) As organizações internacionais competentes devem apoiar e promover as iniciativas
tomadas pelos Estados para os fins acima referidos.
F. Promoção dos princípios consagrados na Declaração
Artigo 20
Os Estados devem tomar medidas adequadas para promover os princípios consagrados
na Declaração, através da educação e de outros meios pertinentes, nomeadamente
mediante a realização de atividades de investigação e formação em áreas
interdisciplinares e a promoção da educação em matéria de bioética, a todos os níveis,
em particular para os responsáveis pelas políticas científicas.
Artigo 21
Os Estados devem tomar medidas apropriadas para promover outras formas de
investigação, formação e divulgação de informação que fomentem a sensibilização da
sociedade e de todos os seus membros para as suas responsabilidades associadas às
questões fundamentais relativas à defesa da dignidade humana que podem ser suscitadas
pela investigação na área da biologia, da genética e da medicina, e suas aplicações.
Devem também tentar facilitar uma discussão aberta, a nível internacional, sobre esta
matéria, garantindo a livre expressão de diversas opiniões sócio-culturais, religiosas e
filosóficas.
G. Aplicação da Declaração
Artigo 22
Os Estados devem envidar todos os esforços para promover os princípios consagrados
na presente Declaração e devem promover a sua aplicação, através de todas as medidas
adequadas.
Artigo 23
Os Estados devem adotar medidas apropriadas com vista a promover, através da
educação, formação e divulgação de informação, o respeito pelos princípios acima
mencionados e fomentar o seu reconhecimento e efetiva aplicação. Os Estados devem
também encorajar os intercâmbios e a criação de redes entre os comités independentes
de ética, à medida que os mesmos forem sendo estabelecidos, a fim de fomentar a sua
plena colaboração.
Artigo 24
O Comitê Internacional de Bioética da UNESCO deve contribuir para a divulgação dos
princípios consagrados na presente Declaração e para o aprofundamento do estudo das
questões suscitadas pelas suas aplicações e pela evolução das tecnologias em causa.
Deve organizar consultas apropriadas com as partes interessadas, tais como grupos
vulneráveis. Deve formular recomendações, em conformidade com os procedimentos
estatutários da UNESCO, dirigidas à Conferência Geral, e dar parecer quanto ao
seguimento a dar à presente Declaração, em particular no que diz respeito à
identificação de práticas que possam ser contrárias à dignidade humana, como as
intervenções na linha germinal.
Artigo 25
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada no sentido de
implicar, para qualquer Estado, grupo ou indivíduo, o direito de se envolver em
qualquer atividade ou de praticar qualquer ato contrário aos Direitos Humanos e
liberdades fundamentais, e nomeadamente aos princípios consagrados na presente
Declaração.
*Também disponível nas Páginas da UNESCO, da UFRGS, da FIOCRUZ, da JUSBRASIL, etc.