terça-feira, 10 de dezembro de 2024

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO


Inspirada na Declaração da Independência Americana de 1776 e no espírito filosófico do século XVII, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 marca o fim do Antigo Regime e o início de uma nova Era. Expressamente visada pela Constituição da Vª República, hoje ela faz parte de nossos textos de referência.

A história 
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, juntamente com os decretos de 4 e 11 de agosto de 1789 sobre a supressão dos direitos feudais, é um dos textos fundamentais voltados pela Assembléia Nacional Constituinte, formada em decorrência da reunião dos Estados Gerais. Adotada em seu princípio antes de 14 de julho de 1789, ela ocasiona a elaboração de inúmeros projetos. Após exaustivos debates, os deputados votam o texto final em 26 de agosto de 1789. Ela é composta de um preâmbulo e 17 artigos referentes ao indivíduo e à Nação. Ela define direitos "naturais e imprescritíveis" como a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. A Declaração reconhece também a igualdade, especialmente perante a lei e a justiça. Por fim, ela reforça o princípio da separação entre os poderes. Ratificada apenas em 5 de outubro por Luís XVI por pressão da Assembléia e do povo que se dirigiu a Versalhes, ela serve de preâmbulo à primeira Constituição da Revolução Francesa, adotada em 1791. Embora a própria Revolução tenha, em seguida, renegado alguns de seus princípios e elaborado duas outras declarações dos direitos humanos em 1793 e 1795, foi o texto de 26 de agosto de 1789 que se tornou referência para as instituições francesas, principalmente as Constituições de 1852, 1946 e 1958. No século XIX, a Declaração de 1789 inspira textos similares em numerosos países da Europa e da América Latina. A tradição revolucionária francesa também está presente na Convenção Européia dos Direitos do Homem, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950.

O texto
Os representantes do povo francês, constituídos em ASSEMBLEIA NACIONAL, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos Governos, resolveram expor em declaração solene os Direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres; a fim de que os atos do Poder legislativo e do Poder executivo, a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reclamações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. 

Por consequência, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. 

Artigo 2º- O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses Direitos são a liberdade. a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

Artigo 3º- O princípio de toda a soberania reside essencialmente em a Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que aquela não emane expressamente.

Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.

Artigo 5º- A Lei não proíbe senão as ações prejudiciais à sociedade. Tudo aquilo que não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Artigo 6º- A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através dos seus representantes, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer se destine a proteger quer a punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade, e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Artigo 7º- Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela Lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser castigados; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da Lei deve obedecer imediatamente, senão torna-se culpado de resistência.

Artigo 8º- A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

Artigo 9º- Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei.

Artigo 10º- Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação delas não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei.

Artigo 11º- A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei. 

Artigo 12º- A garantia dos direitos do Homem e do Cidadão carece de uma força pública; esta força é, pois, instituída para vantagem de todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada. 

Artigo 13º- Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades. 

Artigo 14º- Todos os cidadãos têm o direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a colecta, a cobrança e a duração. 

Artigo 15º- A sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração. 

Artigo 16º- Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

Artigo 17º- Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condição de justa e prévia indemnização.

*Texto disponível na Wikipédia e em outros endereços eletrônicos da Internet.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE O GENOMA HUMANO E OS DIREITOS HUMANOS


A Conferência Geral,

Recordando que o Preâmbulo da Constituição da UNESCO refere o "ideal democrático de dignidade, igualdade e respeito pela pessoa humana", rejeita qualquer "dogma da desigualdade das raças e dos homens", estabelece que "a difusão da cultura e a educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são indispensáveis à dignidade humana e constituem um dever sagrado que todas as nações devem cumprir com espírito de assistência mútua", proclama que "para que a paz subsista deverá assentar na solidariedade intelectual e moral da humanidade" e declara que a Organização procura promover "mediante a cooperação das nações do Mundo nos domínios da educação, da ciência e da cultura, os objetivos de paz internacional e bem-estar comum da humanidade, que presidiram à criação da Organização das Nações Unidas e que a respectiva Carta proclama", 

Recordando solenemente o seu apego aos princípios universais de direitos humanos, afirmados nomeadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, e nos dois Pactos Internacionais das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, das Nações Unidas, de 9 de Dezembro de 1948, na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, das Nações Unidas, de 21 de Dezembro de 1965, na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes Mentais, das Nações Unidas, de 20 de Dezembro de 1971, na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, das Nações Unidas, de 9 de Dezembro de 1975, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, das Nações Unidas, de 18 de Dezembro de 1979, na Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, das Nações Unidas, de 29 de Novembro de 1985, na Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas, de 20 de Novembro de 1989, nas Regras Gerais sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas, de 20 de Dezembro de 1993, na Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, da Produção e do Armazenamento das Armas Bacteriológicas (Biológicas) ou Tóxicas e sobre a Sua Destruição, de 16 de Dezembro de 1971, na Convenção relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino, da UNESCO, de 14 de Dezembro de 1960, na Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional, da UNESCO, de 4 de Novembro de 1966, na Recomendação da UNESCO sobre o Estatuto dos Investigadores Científicos, de 20 de Novembro de 1974, na Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, da UNESCO, de 27 de Novembro de 1978, na Convenção n.º 111 da OIT, sobre a Discriminação em matéria de Emprego e Profissão, de 25 de Junho de 1958, e na Convenção n.º 169 da OIT, relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27 de Junho de 1989, 

Tendo presentes, e sem prejuízo das respectivas disposições, os instrumentos internacionais que podem relacionar-se com as aplicações da genética na área da propriedade intelectual, nomeadamente a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de Setembro de 1952, revista em Paris a 24 de Julho de 1971, a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Intelectual, de 20 de Março de 1883, revista em Estocolmo a 14 de Julho de 1967, o Tratado de Budapeste sobre o Reconhecimento Internacional do Depósito de Microrganismos para Efeitos do Procedimento em Matéria de Patentes, da OMPI, de 28 de Abril de 1977, e o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS) anexo ao Acordo Que Cria a Organização Mundial do Comércio, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1995,

Tendo também presente a Convenção sobre a Diversidade Biológica, das Nações Unidas, de 5 de Junho de 1992, e destacando a este respeito que o reconhecimento da diversidade genética da Humanidade não pode dar origem a qualquer interpretação de natureza social ou política que possa pôr em causa a "dignidade inerente a todos os membros da família humana e [os] seus direitos iguais e inalienáveis", em conformidade com o Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem,

Recordando as Resoluções 22 C/13.1, 23 C/13.1, 24 C/13.1, 25 C/5.2, 25 C/7.3, 27 C/5.15, 28 C/0.12, 28 C/2.1 e 28 C/2.2, que instam a UNESCO a promover e desenvolver estudos na área da ética, e medidas a adotar na sequência dos mesmos, sobre as consequências do progresso científico e tecnológico nos domínios da biologia e da genética, no âmbito do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais,

Reconhecendo que a investigação sobre o genoma humano e suas consequentes aplicações abre amplas perspectivas de progresso ao nível da melhoria da saúde dos indivíduos e da Humanidade no seu conjunto, mas sublinhando que tal investigação deve respeitar plenamente a dignidade humana, a liberdade e os direitos humanos, bem como a proibição de todas as formas de discriminação com base nas características genéticas, Proclama os princípios seguintes e adota a presente Declaração.

A. Dignidade humana e Genoma Humano

Artigo 1
O genoma humano tem subjacente a unidade fundamental de todos os membros da família humana, bem como o reconhecimento da sua inerente dignidade e diversidade. Em sentido simbólico, constitui o patrimônio da Humanidade. 

Artigo 2
a) Todas as pessoas têm direito ao respeito da sua dignidade e dos seus direitos, independentemente das respectivas características genéticas. 
b) Essa dignidade impõe que os indivíduos não sejam reduzidos às suas características genéticas e que se respeite o carácter único de cada um e a sua diversidade.

Artigo 3
O genoma humano, que é por natureza evolutivo, está sujeito a mutações. Contém potencialidades que se manifestam de formas diferentes de acordo com o ambiente natural e social de cada indivíduo, incluindo o respectivo estado de saúde e as respectivas condições de vida, alimentação e educação.

Artigo 4
O genoma humano no seu estado natural não deverá dar origem a benefícios pecuniários. 

B. Direitos das pessoas em causa 

Artigo 5
a) A investigação, o tratamento ou o diagnóstico que afetem o genoma de um indivíduo só deverão ser levados a cabo depois de uma avaliação rigorosa e prévia dos potenciais riscos e benefícios associados e caso se encontrem preenchidos todos os requisitos impostos pela legislação interna. 
b) Em todos os casos, será obtido o consentimento prévio, livre e informado da pessoa em questão. Se esta última não estiver em condições de prestar consentimento, será obtido o consentimento ou a autorização da forma prescrita por lei e orientada pelo interesse superior da pessoa. 
c) Deve ser respeitado o direito de cada indivíduo a decidir se quer ou não ser informado dos resultados de um exame genético e suas consequências. 
d) No caso das investigações, os protocolos de investigação serão, além disso, objeto de uma avaliação prévia em conformidade com as pertinentes normas ou diretrizes nacionais e internacionais sobre a matéria. 
e) Caso, nos termos da lei, a pessoa careça de capacidade para prestar consentimento, a investigação que afete o seu genoma só pode ser levada a cabo em benefício direto da sua saúde, e sem prejuízo da autorização e das medidas de proteção estabelecidas por lei. A investigação que não se espere vir a resultar num benefício direto para a saúde só pode ser levada a cabo a título excepcional, com a máxima contenção, expondo a pessoa unicamente a riscos mínimos e transtornos mínimos e caso se destine a resultar em benefício para a saúde de outras pessoas da mesma faixa etária ou com as mesmas características genéticas, sem prejuízo das condições estabelecidas por lei, e desde que tal investigação seja compatível com a proteção dos direitos humanos da pessoa.

Artigo 6
Nenhuma pessoa será sujeita a discriminação com base nas características genéticas, que tenha como objetivo ou como efeito atentar contra os direitos humanos, as liberdades fundamentais e a dignidade humana. 

Artigo 7
Deverá respeitar-se o sigilo, nas condições estabelecidas por lei, dos dados genéticos associados a uma pessoa identificável e armazenados ou processados para fins de investigação ou para qualquer outro fim.

Artigo 8
Toda a pessoa tem direito, em conformidade com o direito internacional e nacional, a uma justa reparação de quaisquer danos sofridos cuja causa direta e determinante tenha sido uma intervenção que haja afetado o seu genoma. 

Artigo 9
A fim de proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais, as restrições aos princípios do consentimento e do sigilo têm de ser fixadas por lei, por razões imperiosas e dentro dos limites estabelecidos pelo direito internacional público e pelas normas internacionais de direitos humanos.

C. Investigação na área do Genoma Humano 

Artigo 10
Nenhuma investigação na área do genoma humano ou respectivas aplicações, em particular nas áreas da biologia, da genética e da medicina, deve prevalecer sobre o respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela dignidade das pessoas ou, se for caso disso, dos grupos de pessoas. 

Artigo 11
As práticas que sejam contrárias à dignidade humana, como a clonagem de seres humanos para fins reprodutivos, não serão permitidas. Os Estados e as organizações internacionais competentes são convidados a cooperar na identificação de tais práticas e na adoção, a nível nacional ou internacional, das medidas necessárias para garantir o respeito dos princípios enunciados na presente Declaração. 

Artigo 12
a) Os benefícios dos progressos nas áreas da biologia, da genética e da medicina, relativos ao genoma humano, serão postos à disposição de todos, tendo devidamente em conta a dignidade e os direitos humanos de cada pessoa.
b) A liberdade de investigação, que é necessária para o progresso do conhecimento, faz parte integrante da liberdade de pensamento. As aplicações da investigação, nomeadamente nas áreas da biologia, da genética e da medicina, relativas ao genoma humano, procurarão aliviar o sofrimento e melhorar a saúde das pessoas e da Humanidade no seu conjunto. 

D. Condições para o exercício da Atividade Científica

Artigo 13
As responsabilidades inerentes às atividades dos investigadores, incluindo o rigor, a prudência, a honestidade intelectual e a integridade na realização das investigações, bem como na apresentação e utilização das suas conclusões, devem ser objecto de particular atenção no âmbito das investigações sobre o genoma humano, devido às suas implicações éticas e sociais. Os responsáveis pela definição de políticas científicas públicas e privadas têm também particulares responsabilidades neste domínio. 

Artigo 14
Os Estados devem adotar medidas adequadas para fomentar as condições intelectuais e materiais favoráveis à liberdade na realização de investigações sobre o genoma humano e ter em conta as implicações éticas, jurídicas, sociais e econômicas de tais investigações, com base nos princípios enunciados na presente Declaração. 

Artigo 15
Os Estados devem tomar providências adequadas para proporcionar um enquadramento favorável ao livre exercício da investigação sobre o genoma humano tendo devidamente em conta os princípios enunciados na presente Declaração, a fim de salvaguardar o respeito pelos direitos humanos, liberdades fundamentais e dignidade humana e proteger a saúde pública. Devem tentar assegurar-se de que os resultados das investigações não são utilizados para fins não pacíficos. 

Artigo 16
Os Estados devem reconhecer o valor da promoção, a vários níveis e conforme necessário, do estabelecimento de comités de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas, a fim de estudar as questões éticas, jurídicas e sociais suscitadas pelas investigações sobre o genoma humano e suas aplicações.

E. Solidariedade e Cooperação Internacional 

Artigo 17
Os Estados devem respeitar e promover a prática da solidariedade para com indivíduos, famílias e grupos da população que estejam particularmente vulneráveis ou sejam afetados por doença ou deficiência de natureza genética. Devem fomentar, nomeadamente, a investigação sobre a identificação, prevenção e tratamento das doenças de origem genética e influenciadas por fatores genéticos, em particular doenças raras, bem como doenças endêmicas que afetem uma parte considerável da população mundial. 

Artigo 18
Os Estados devem envidar todos os esforços, tendo devida e adequadamente em conta os princípios consagrados na presente Declaração, para continuar a fomentar a difusão, a nível internacional, de conhecimentos científicos relativos ao genoma humano, à diversidade humana e à investigação na área da genética e, a este respeito, para promover a cooperação científica e cultural, particularmente entre países industrializados e países em vias de desenvolvimento.

Artigo 19
a) No âmbito da cooperação internacional com os países em vias de desenvolvimento, os Estados devem tentar fomentar a adoção de medidas que permitam:
(I) Que se proceda a uma avaliação dos riscos e benefícios das investigações sobre o genoma humano e que se previnam os abusos;
(II) Que se desenvolva e reforce a capacidade dos países em vias de desenvolvimento para levar a cabo investigações na área da biologia humana e da genética, tendo em consideração os seus problemas específicos;
(III) Que os países em vias de desenvolvimento beneficiem dos resultados da investigação científica e tecnológica, para que a sua utilização em prol do progresso económico e social possa ser benéfica para todos;
(IV) Que se promova o livre intercâmbio de conhecimentos científicos e de informação nas áreas da biologia, da genética e da medicina.
b) As organizações internacionais competentes devem apoiar e promover as iniciativas tomadas pelos Estados para os fins acima referidos.

F. Promoção dos princípios consagrados na Declaração

Artigo 20
Os Estados devem tomar medidas adequadas para promover os princípios consagrados na Declaração, através da educação e de outros meios pertinentes, nomeadamente mediante a realização de atividades de investigação e formação em áreas interdisciplinares e a promoção da educação em matéria de bioética, a todos os níveis, em particular para os responsáveis pelas políticas científicas. 

Artigo 21
Os Estados devem tomar medidas apropriadas para promover outras formas de investigação, formação e divulgação de informação que fomentem a sensibilização da sociedade e de todos os seus membros para as suas responsabilidades associadas às questões fundamentais relativas à defesa da dignidade humana que podem ser suscitadas pela investigação na área da biologia, da genética e da medicina, e suas aplicações. Devem também tentar facilitar uma discussão aberta, a nível internacional, sobre esta matéria, garantindo a livre expressão de diversas opiniões sócio-culturais, religiosas e filosóficas.

G. Aplicação da Declaração

Artigo 22
Os Estados devem envidar todos os esforços para promover os princípios consagrados na presente Declaração e devem promover a sua aplicação, através de todas as medidas adequadas. 

Artigo 23
Os Estados devem adotar medidas apropriadas com vista a promover, através da educação, formação e divulgação de informação, o respeito pelos princípios acima mencionados e fomentar o seu reconhecimento e efetiva aplicação. Os Estados devem também encorajar os intercâmbios e a criação de redes entre os comités independentes de ética, à medida que os mesmos forem sendo estabelecidos, a fim de fomentar a sua plena colaboração. 

Artigo 24
O Comitê Internacional de Bioética da UNESCO deve contribuir para a divulgação dos princípios consagrados na presente Declaração e para o aprofundamento do estudo das questões suscitadas pelas suas aplicações e pela evolução das tecnologias em causa. Deve organizar consultas apropriadas com as partes interessadas, tais como grupos vulneráveis. Deve formular recomendações, em conformidade com os procedimentos estatutários da UNESCO, dirigidas à Conferência Geral, e dar parecer quanto ao seguimento a dar à presente Declaração, em particular no que diz respeito à identificação de práticas que possam ser contrárias à dignidade humana, como as intervenções na linha germinal.

Artigo 25
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada no sentido de implicar, para qualquer Estado, grupo ou indivíduo, o direito de se envolver em qualquer atividade ou de praticar qualquer ato contrário aos Direitos Humanos e liberdades fundamentais, e nomeadamente aos princípios consagrados na presente Declaração.

*Também disponível nas Páginas da UNESCO, da UFRGS, da FIOCRUZ, da JUSBRASIL, etc.

sábado, 19 de outubro de 2024

DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS


Apresentação

Entre os dias 6 e 8 de abril e, posteriormente, entre 20 e 24 de junho de 2005, foram realizadas em Paris, França, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, respectivamente, a Primeira e Segunda Reunião dos Peritos Governamentais de diferentes países membros daquele organismo para definir o texto final da futura Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. O Brasil foi representado pela Delegação oficial do país na UNESCO chefiada pelo Embaixador Antonio Augusto Dayrell de Lima, secundado pelo Ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado e pelo Secretário Álvaro Luiz Vereda de Oliveira. Na ocasião, tive a honra de assessorar a representação brasileira como Delegado Oficial no Evento, designado pelo Presidente da República por meio de ato oficial.
Estas reuniões contaram com a participação de mais de 90 países e se caracterizaram, desde o início, por um grande divisor de posições entre os países ricos e pobres. As nações desenvolvidas, defendiam um documento que restringisse a bioética aos tópicos biomédico e biotecnológicos. O Brasil teve papel decisivo na ampliação do texto para os campos sanitário, social e ambiental. Com o apoio inestimável de todas as demais delegações latino-americanas presentes, secundadas pelos países africanos e pela Índia, o teor final da Declaração pode ser considerado como uma grande vitória das nações em desenvolvimento. Essa minuta da Declaração, cuidadosamente construída pelos países-membro das Nações Unidas foi, posteriormente, em 19 de outubro de 2005, levado à 33ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO realizada também em Paris, onde foi aprovada por aclamação pela unanimidade dos 191 países componentes da Organização.
Pelo conteúdo da Declaração se pode perceber com clareza o acerto da bioética brasileira, por meio das ações desenvolvidas nos últimos anos pela SBB, quando a entidade decidiu aproximar decisivamente suas ações ao campo da saúde pública e à agenda social. A definição do tema oficial do Sexto Congresso Mundial de Bioética, realizado em Brasília, em 2002, já prenunciava uma significativa ampliação conceitual para a disciplina: Bioética, Poder e Injustiça.
O teor da Declaração muda profundamente agenda da bioética do Século XXI, democratizando-a e tornando-a mais aplicada e comprometida com as populações vulneráveis, as mais necessitadas. O Brasil e a América Latina mostraram ao mundo uma participação acadêmica, atualizada e ao mesmo tempo militante nos temas da bioética, com resultados práticos e concretos, como é o caso da presente Declaração, mais um instrumento à disposição da democracia no sentido do aperfeiçoamento da cidadania e dos direitos humanos universais.

A Conferência Geral,

Consciente da capacidade única dos seres humanos de refletir sobre sua própria existência e sobre o seu meio ambiente; de perceber a injustiça; de evitar o perigo; de assumir responsabilidade; de buscar cooperação e de demonstrar o sentido moral que dá expressão a princípios éticos,
Refletindo sobre os rápidos avanços na ciência e na tecnologia, que progressivamente afetam nossa compreensão da vida e a vida em si, resultando em uma forte exigência de uma resposta global para as implicações éticas de tais desenvolvimentos,
Reconhecendo que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na ciência e suas aplicações tecnológicas devem ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana e no cumprimento e respeito universais pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, 
Deliberando ser necessário e oportuno que a comunidade internacional declare princípios universais que proporcionarão uma base para a resposta da humanidade aos sempre crescentes dilemas e controvérsias que a ciência e a tecnologia apresentam à espécie humana e ao meio ambiente,
Recordando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO, em 11 de Novembro de 1997 e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 16 de Outubro de 2003,
Recordando o Pacto Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de Dezembro de 1965, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 18 de Dezembro de 1979, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, de 5 de Junho de 1992, os Parâmetros Normativos sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades, adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1993, a Convenção de OIT (n.º 169) referente a Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27 de Junho de 1989, o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para a Alimentação e a Agricultura, adotado pela Conferência da FAO em 3 de Novembro de 2001 e que entrou em vigor em 29 de Junho de 2004, a Recomendação da UNESCO sobre a Importância dos Pesquisadores Científicos, de 20 de Novembro de 1974, a Declaração da UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial, de 27 de Novembro de 1978, a Declaração da UNESCO sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com as Gerações Futuras, de 12 de Novembro de 1997, a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2 de Novembro de 2001, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) anexo ao Acordo de Marraqueche, que estabelece a Organização Mundial do Comércio, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995, a Declaração de Doha sobre o Acordo de TRIPS e a Saúde Pública, de 14 de Novembro de 2001, e outros instrumentos internacionais relevantes adotados pela Organização das Nações Unidas e pelas agências especializadas do sistema da Organização das Nações Unidas, em particular a Organização para a Alimentação e a Agricultura da Organização das Nações Unidas (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS),
Recordando o Pacto Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de Dezembro de 1965, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 18 de Dezembro de 1979, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, de 5 de Junho de 1992, os Parâmetros Normativos sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades, adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1993, a Convenção de OIT (n.º 169) referente a Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27 de Junho de 1989, o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para a Alimentação e a Agricultura, adotado pela Conferência da FAO em 3 de Novembro de 2001 e que entrou em vigor em 29 de Junho de 2004, a Recomendação da UNESCO sobre a Importância dos Pesquisadores Científicos, de 20 de Novembro de 1974, a Declaração da UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial, de 27 de Novembro de 1978, a Declaração da UNESCO sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com as Gerações Futuras, de 12 de Novembro de 1997, a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2 de Novembro de 2001, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) anexo ao Acordo de Marraqueche, que estabelece a Organização Mundial do Comércio, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995, a Declaração de Doha sobre o Acordo de TRIPS e a Saúde Pública, de 14 de Novembro de 2001, e outros instrumentos internacionais relevantes adotados pela Organização das Nações Unidas e pelas agências especializadas do sistema da Organização das Nações Unidas, em particular a Organização para a Alimentação e a Agricultura da Organização das Nações Unidas (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS),
Observando, ainda, instrumentos internacionais e regionais no campo da bioética, incuindo a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano com respeito às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa, adotada em 1997 e que entrou em vigor em 1999 e seus protocolos adicionais, bem como legislação e regulamentações nacionais no campo da bioética, códigos internacionais e regionais de conduta, diretrizes e outros textos no campo da bioética, tais como a Declaração de Helsinque, da Associação Médica Mundial, sobre Princípios Éticos para a Pesquisa Biomédica Envolvendo Sujeitos Humanos, adotada em 1964 e emendada em 1975, 1989, 1993, 1996, 2000 e 2002, e as Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos, do Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas, adotadas em 1982 e emendadas em 1993 e 2002; 
Reconhecendo que a presente Declaração deve ser interpretada de modo consistente com a legislação doméstica e o direito internacional, em conformidade com as regras sobre direitos humanos; 
Tendo presente a Constituição da UNESCO, adotada em 16 de Novembro de 1945,
Considerando o papel da UNESCO na identificação de princípios universais baseados em valores éticos compartilhados para o desenvolvimento científico e tecnológico e a transformação social, de modo a identificar os desafios emergentes em ciência e tecnologia, levando em conta a responsabilidade da geração presente para com as gerações futuras e que as questões da bioética, que necessariamente possuem uma dimensão internacional, devem ser tratadas como um todo, inspirando-se nos princípios já estabelecidos pela Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos e pela Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos e levando em conta não somente o atual contexto científico, mas também desenvolvimentos futuros,
Consciente de que os seres humanos são parte integrante da biosfera, com um papel importante na proteção um do outro e das demais formas de vida, em particular dos animais,
Reconhecendo, com base na liberdade da ciência e da pesquisa, que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos têm sido e podem ser de grande benefício para a humanidade inter alia no aumento da expectativa e na melhoria da qualidade de vida, e enfatizando que tais desenvolvimentos devem sempre buscar promover o bem-estar dos indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e da humanidade como um todo no reconhecimento da dignidade da pessoa humana e no respeito universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais,
Reconhecendo que a saúde não depende unicamente dos desenvolvimentos decorrentes das pesquisas científicas e tecnológicas, mas também de fatores psico-sociais e culturais,
Reconhecendo, ainda, que decisões sobre questões éticas na medicina, nas ciências da vida e nas tecnologias associadas podem ter impacto sobre indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e sobre a humanidade como um todo, 
Tendo presente que a diversidade cultural, como fonte de intercâmbio, inovação e criatividade, é necessária aos seres humanos e, nesse sentido, constitui patrimônio comum da humanidade, enfatizando, contudo, que esta não pode ser invocada à custa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais,
Tendo igualmente presente que a identidade de um indivíduo inclui dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais, 
Reconhecendo que condutas científicas e tecnológicas antiéticas já produziram impacto específico em comunidades indígenas e locais, 
Convencida de que a sensibilidade moral e a reflexão ética devem ser parte integrante do processo de desenvolvimento científico e tecnológico e de que a bioética deve desempenhar um papel predominante nas escolhas que precisam ser feitas sobre as questões que emergem de tal desenvolvimento, 
Considerando o desejo de desenvolver novos enfoques relacionados à responsabilidade social de modo a assegurar que o progresso da ciência e da tecnologia contribua para a justiça, a equidade e para o interesse da humanidade,
Reconhecendo que conceder atenção à posição das mulheres é uma forma importante de avaliar as realidades sociais e alcançar equidade,
Dando ênfase à necessidade de reforçar a cooperação internacional no campo da bioética, levando particularmente em consideração as necessidades específicas dos países em desenvolvimento, das comunidades indígenas e das populações vulneráveis, 
Considerando que todos os seres humanos, sem distinção, devem se beneficiar dos mesmos elevados padrões éticos na medicina e nas pesquisas em ciências da vida,
Proclama os princípios a seguir e adota a presente Declaração.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1 – Escopo
a) A Declaração trata das questões éticas relacionadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais. 
b) A presente Declaração é dirigida aos Estados. Quando apropriado e pertinente, ela também oferece orientação para decisões ou práticas de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas.

Artigo 2 – Objetivos
Os objetivos desta Declaração são:
(I) prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos para orientar os Estados na formulação de sua legislação, políticas ou outros instrumentos no campo da bioética;
(II) orientar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas;
(III) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com a legislação internacional de direitos humanos;
(IV) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais;
(V) promover o diálogo multidisciplinar e pluralístico sobre questões bioéticas entre todos os interessados e na sociedade como um todo;
(VI) promover o acesso equitativo aos desenvolvimentos médicos, científicos e tecnológicos, assim como a maior difusão possível e o rápido compartilhamento de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos e a participação nos benefícios, com particular atenção às necessidades de países em desenvolvimento;
(VII) salvaguardar e promover os interesses das gerações presentes e futuras; e
(VIII) ressaltar a importância da biodiversidade e sua conservação como uma preocupação comum da humanidade.

PRINCÍPIOS
Conforme a presente Declaração, nas decisões tomadas ou práticas desenvolvidas por aqueles a quem ela é dirigida, devem ser respeitados os princípios a seguir.

Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos
a) A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.
b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade. 

Artigo 4 – Benefício e Dano
Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, sujeitos de pesquisa e outros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível a tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trate da aplicação e do avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e tecnologias associadas.

Artigo 5 – Autonomia e Responsabilidade Individual
Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia.

Artigo 6 – Consentimento
a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito.
b) A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre, expresso e esclarecido consentimento do indivíduo envolvido. A informação deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e incluir os procedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer hora e por qualquer razão, sem acarretar qualquer desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípio somente devem ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos e legais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões da presente Declaração, particularmente com o Artigo 27 e com os direitos humanos.
c) Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo de indivíduos ou comunidade, um consentimento adicional dos representantes legais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhum caso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de um líder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimento informado individual.

Artigo 7 – Indivíduos sem a Capacidade para Consentir
Em conformidade com a legislação, proteção especial deve ser dada a indivíduos sem a capacidade para fornecer consentimento: 
a) a autorização para pesquisa e prática médica deve ser obtida no melhor interesse do indivíduo envolvido e de acordo com a legislação nacional. Não obstante, o indivíduo afetado deve ser envolvido, na medida do possível, tanto no processo de decisão sobre consentimento assim como sua retirada;
b) a pesquisa só deve ser realizada para o benefício direto à saúde do indivíduo envolvido, estando sujeita à autorização e às condições de proteção prescritas pela legislação e caso não haja nenhuma alternativa de pesquisa de eficácia comparável que possa incluir sujeitos de pesquisa com capacidade para fornecer consentimento. Pesquisas sem potencial benefício direto à saúde só devem ser realizadas excepcionalmente, com a maior restrição, expondo o indivíduo apenas a risco e desconforto mínimos e quando se espera que a pesquisa contribua com o benefício à saúde de outros indivíduos na mesma categoria, sendo sujeitas às condições prescritas por lei e compatíveis com a proteção dos direitos humanos do indivíduo. A recusa de tais indivíduos em participar de pesquisas deve ser respeitada.

Artigo 8 – Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual
A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual de cada um deve ser respeitada

Artigo 9 – Privacidade e Confidencialidade
A privacidade dos indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suas informações devem ser respeitadas. Com esforço máximo possível de proteção, tais informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos que não aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas, em consonância com o direito internacional, em particular com a legislação internacional sobre direitos humanos.

Artigo 10 – Igualdade, Justiça e Equidade
A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de forma justa e equitativa.

Artigo 11 – Não-Discriminação e Não-Estigmatização
Nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Artigo 12 – Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo
A importância da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princípios dispostos nesta Declaração, ou para limitar seu escopo.

Artigo 13 – Solidariedade e Cooperação
A solidariedade entre os seres humanos e cooperação internacional para este fim devem ser estimuladas. 

Artigo 14 – Responsabilidade Social e Saúde
a) A promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade. 
b) Considerando que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar:
(I) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano;
(II) o acesso a nutrição adequada e água de boa qualidade;
(III) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente;
(IV) a eliminação da marginalização e da exclusão de indivíduos por qualquer que seja o motivo; e
(V) a redução da pobreza e do analfabetismo.

Artigo 15 – Compartilhamento de Benefícios
a) Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suas aplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um todo e, no âmbito da comunidade internacional, em especial com países em desenvolvimento. Para dar efeito a esse princípio, os benefícios podem assumir quaisquer das seguintes formas:
(I) ajuda especial e sustentável e reconhecimento aos indivíduos e grupos que tenham participado de uma pesquisa;
(II) acesso a cuidados de saúde de qualidade;
(III) oferta de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas ou de produtos resultantes da pesquisa; 
(IV) apoio a serviços de saúde;
(V) acesso ao conhecimento científico e tecnológico;
(VI) facilidades para geração de capacidade em pesquisa; e
(VII) outras formas de benefício coerentes com os princípios dispostos na presente Declaração.
b) Os benefícios não devem constituir indução inadequada para estimular a participação em pesquisa.

Artigo 16 – Proteção das Gerações Futuras 
O impacto das ciências da vida sobre gerações futuras, incluindo sobre sua constituição genética, deve ser devidamente considerado.

Artigo 17 – Proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade
Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos com outras formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursos biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papel dos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade.

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

Artigo 18 – Tomada de Decisão e o Tratamento de Questões Bioéticas
a) Devem ser promovidos o profissionalismo, a honestidade, a integridade e a transparência na tomada de decisões, em particular na explicitação de todos os conflitos de interesse e no devido compartilhamento do conhecimento. Todo esforço deve ser feito para a utilização do melhor conhecimento científico e metodologia disponíveis no tratamento e constante revisão das questões bioéticas.
b) Os indivíduos e profissionais envolvidos e a sociedade como um todo devem estar incluídos regularmente num processo comum de diálogo.
c) Deve-se promover oportunidades para o debate público pluralista, buscando-se a manifestação de todas as opiniões relevantes.

Artigo 19 – Comitês de Ética 
Comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas devem ser instituídos, mantidos e apoiados em nível adequado com o fim de:
(I) avaliar questões éticas, legais, científicas e sociais relevantes relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos;
(II) prestar aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas;
(III) avaliar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, formular recomendações e contribuir para a elaboração de diretrizes sobre temas inseridos no âmbito da presente Declaração; e
(IV) promover o debate, a educação, a conscientização do público e o engajamento com a bioética.

Artigo 20 – Avaliação e Gerenciamento de Riscos 
Deve-se promover a avaliação e o gerenciamento adequado de riscos relacionados à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas.

Artigo 21 – Práticas Transnacionais
a) Os Estados, as instituições públicas e privadas, e os profissionais associados a atividades transnacionais devem empreender esforços para assegurar que qualquer atividade no escopo da presente Declaração que seja desenvolvida, financiada ou conduzida de algum modo, no todo ou em parte, em diferentes Estados, seja coerente com os princípios da presente Declaração.
b) Quando a pesquisa for empreendida ou conduzida em um ou mais Estados [Estado(s) hospedeiro(s)] e financiada por fonte de outro Estado, tal pesquisa deve ser objeto de um nível adequado de revisão ética no(s) Estado(s) hospedeiro(s) e no Estado no qual o financiador está localizado. Esta revisão deve ser baseada em padrões éticos e legais consistentes com os princípios estabelecidos na presente Declaração. 
c) Pesquisa transnacional em saúde deve responder às necessidades dos países hospedeiros e deve ser reconhecida sua importância na contribuição para a redução de problemas de saúde globais urgentes. 
d) Na negociação de acordos para pesquisa, devem ser estabelecidos os termos da colaboração e a concordância sobre os benefícios da pesquisa com igual participação de todas as partes na negociação. 
e) Os Estados devem tomar medidas adequadas, em níveis nacional e internacional, para combater o bioterrorismo e o tráfico ilícito de órgãos, tecidos, amostras, recursos genéticos e materiais genéticos. 

PROMOÇÃO DA DECLARAÇÃO

Artigo 22 – Papel dos Estados 
a) Os Estados devem tomar todas as medidas adequadas de caráter legislativo, administrativo ou de qualquer outra natureza, de modo a implementar os princípios estabelecidos na presente Declaração e em conformidade com o direito internacional e com os direitos humanos. Tais medidas devem ser apoiadas por ações nas esferas da educação, formação e informação ao público.
b) Os Estados devem estimular o estabelecimento de comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas, conforme o disposto no Artigo 19.

Artigo 23 – Informação, Formação e Educação em Bioética
a) De modo a promover os princípios estabelecidos na presente Declaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos avanços científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos os níveis, bem como estimular programas de disseminação de informação e conhecimento sobre bioética.
b) Os Estados devem estimular a participação de organizações intergovernamentais, internacionais e regionais e de organizações não-governamentais internacionais, regionais e nacionais neste esforço.

Artigo 24 – Cooperação Internacional
a) Os Estados devem promover a disseminação internacional da informação científica e estimular a livre circulação e o compartilhamento do conhecimento científico e tecnológico.
b) Ao abrigo da cooperação internacional, os Estados devem promover a cooperação cultural e científica e estabelecer acordos bilaterais e multilaterais que possibilitem aos países em desenvolvimento construir capacidade de participação na geração e compartilhamento do conhecimento científico, do know-how relacionado e dos benefícios decorrentes. 
c) Os Estados devem respeitar e promover a solidariedade entre Estados, bem como entre indivíduos, famílias, grupos e comunidades, com atenção especial para aqueles tornados vulneráveis por doença ou incapacidade ou por outras condições individuais, sociais ou ambientais e aqueles indivíduos com maior limitação de recursos. 

Artigo 25 – Ação de Acompanhamento pela UNESCO
a) A UNESCO promoverá e disseminará os princípios da presente Declaração. Para tanto, a UNESCO buscará apoio e assistência do Comitê Intergovernamental de Bioética (IGBC) e do Comitê Internacional de Bioética (IBC).
b) A UNESCO reafirmará seu compromisso em tratar de bioética e em promover a colaboração entre o IGBC e o IBC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Artigo 26 – Inter-relação e Complementaridade dos Princípios
A presente Declaração deve ser considerada em sua totalidade e seus princípios devem ser compreendidos como complementares e interrelacionados. Cada princípio deve ser interpretado no contexto dos demais, de forma pertinente e adequada a cada circunstância.

Artigo 27 – Limitações à Aplicação dos Princípios
Se a aplicação dos princípios da presente Declaração tiver que ser limitada, tal limitação deve ocorrer em conformidade com a legislação, incluindo a legislação referente aos interesses de segurança pública para a investigação, constatação e acusação por crimes, para a proteção da saúde pública ou para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Quaisquer dessas legislações devem ser consistentes com a legislação internacional sobre direitos humanos.

Artigo 28 – Recusa a Atos Contrários aos Direitos Humanos, às Liberdades Fundamentais e Dignidade Humana
Nada nesta Declaração pode ser interpretado como podendo ser invocado por qualquer Estado, grupo ou indivíduo, para justificar envolvimento em qualquer atividade ou prática de atos contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana.

-> O Dia Mundial da Bioética é comemorado em 19 de outubro.

sábado, 12 de outubro de 2024

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA


A Declaração dos Direitos da Criança foi proclamada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como Resolução da Assembléia Geral em 20 de Novembro de 1959. No Brasil foi ratificada através do Art. 84, Inciso XXI, da Constituição Federal.

PREÂMBULO 

VISTO que os povos das Nações Unidas, na Carta, reafirmaram sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, e resolveram promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla,
VISTO que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamaram que todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição,
VISTO que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento,
VISTO que a necessidade de tal proteção foi enunciada na Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais interessadas no bem-estar da criança, 
VISTO que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços,

ASSIM, A ASSEMBLÉIA GERAL PROCLAMA
esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios:

PRINCÍPIO 1º
A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.

PRINCÍPIO 2º
A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança. 

PRINCÍPIO 3º
Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade. 

PRINCÍPIO 4º
A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas. 

PRINCÍPIO 5º
À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar. 

PRINCÍPIO 6º
Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.

PRINCÍPIO 7º
A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.

PRINCÍPIO 8º
A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber proteção e socorro. 

PRINCÍPIO 9º
A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral. 

PRINCÍPIO 10º
A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes. Publicidade a ser dada à Declaração dos Direitos da Criança 

A ASSEMBLÉIA GERAL CONSIDERANDO
que a Declaração dos Direitos da Criança apela no sentido de que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e que as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconhecem os direitos ora enunciados e se empenhem por sua observância.

1- RECOMENDA aos Governos dos Estados membros, às agências especializadas interessadas e às organizações não-governamentais competentes que se dê a publicidade mais ampla possível ao texto desta Declaração; 
2- SOLICITA ao Secretário Geral que esta Declaração seja amplamente divulgada e, para isto, se empreguem todos os meios à sua disposição para a publicação e a distribuição do seu texto em tantos idiomas quantos possíveis. 

Fonte: ONU - Comitê Social Humanitário e Cultural da Assembléia Geral.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS


A Assembléia Geral, tomando nota da recomendação que figura na resolução 1/2 do Conselho dos Direitos Humanos, de 29 de junho de 2006, na qual o Conselho aprovou o texto da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Recordando sua resolução 61/178, de 20 de dezembro de 2006, em que decidiu adiar o exame e a adoção de medidas sobre a Declaração a fim de dispor de mais tempo para seguir realizando consultas a respeito, e decidiu também concluir o exame da Declaração antes de que terminasse o sexagésimo-primeiro período de sessões.

Aprova a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas que figura no anexo da presente resolução.

107ª Sessão Plenária  13 de setembro de 2007 Anexo
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas

A Assembléia Geral, Guiada pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e pela boa-fé no cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados de acordo com a Carta,

Afirmando que os povos indígenas são iguais a todos os demais povos e reconhecendo ao mesmo tempo o direito de todos os povos a serem diferentes, a se considerarem diferentes e a serem respeitados como tais,

Afirmando também que todos os povos contribuem para a diversidade e a riqueza das civilizações e culturas, que constituem patrimônio comum da humanidade,

Afirmando ainda que todas as doutrinas, políticas e práticas baseadas na superioridade de determinados povos ou indivíduos, ou que a defendem alegando razões de origem nacional ou diferenças raciais, religiosas, étnicas ou culturais, são racistas, cientificamente falsas, juridicamente inválidas, moralmente condenáveis e socialmente injustas,

Reafirmando que, no exercício de seus direitos, os povos indígenas devem ser livres de toda forma de discriminação,

Preocupada com o fato de os povos indígenas terem sofrido injustiças históricas como resultado, entre outras coisas, da colonização e da subtração de suas terras, territórios e recursos, o que lhes tem impedido de exercer, em especial, seu direito ao desenvolvimento, em conformidade com suas próprias necessidades e interesses,

Reconhecendo a necessidade urgente de respeitar e promover os direitos intrínsecos dos povos indígenas, que derivam de suas estruturas políticas, econômicas e sociais e de suas culturas, de suas tradições espirituais, de sua história e de sua concepção da vida, especialmente os direitos às suas terras, territórios e recursos,

Reconhecendo também a necessidade urgente de respeitar e promover os direitos dos povos indígenas afirmados em tratados, acordos e outros arranjos construtivos com os Estados,

Celebrando o fato de os povos indígenas estarem organizando-se para promover seu desenvolvimento político, econômico, social e cultural, e para pôr fim a todas as formas de discriminação e de opressão, onde quer que ocorram,

Convencida de que o controle, pelos povos indígenas, dos acontecimentos que os afetam e as suas terras, territórios e recursos lhes permitirá manter e reforçar suas instituições, culturas e tradições e promover seu desenvolvimento de acordo com suas aspirações e necessidades,

Reconhecendo que o respeito aos conhecimentos, às culturas e às práticas tradicionais indígenas contribui para o desenvolvimento sustentável e eqüitativo e para a gestão adequada do meio ambiente,

Enfatizando a contribuição da desmilitarização das terras e territórios dos povos indígenas para a paz, o progresso e o desenvolvimento econômico e social, a compreensão e as relações de amizade entre as nações e os povos do mundo,

Reconhecendo, em particular, o direito das famílias e comunidades indígenas a continuarem compartilhando a responsabilidade pela formação, a educação e o bem-estar dos seus filhos, em conformidade com os direitos da criança,

Considerando que os direitos afirmados nos tratados, acordos e outros arranjos construtivos entre os Estados e os povos indígenas são, em algumas situações, assuntos de preocupação, interesse e responsabilidade internacional, e têm caráter internacional,

Considerando também que os tratados, acordos e demais arranjos construtivos, e as relações que estes representam, servem de base para o fortalecimento da associação entre os povos indígenas e os Estados,

Reconhecendo que a Carta das Nações Unidas, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[1] e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos1, assim como a Declaração e o Programa de Ação de Viena[2]  afirmam a importância fundamental do direito de todos os povos à autodeterminação, em virtude do qual estes determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural,

Tendo em mente que nada do disposto na presente Declaração poderá ser utilizado para negar a povo algum seu direito à autodeterminação, exercido em conformidade com o direito internacional,

Convencida de que o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas na presente Declaração fomentará relações harmoniosas e de cooperação entre os Estados e os povos indígenas, baseadas nos princípios da justiça, da democracia, do respeito aos direitos humanos, da não-discriminação e da boa-fé,  

Incentivando os Estados a cumprirem e aplicarem eficazmente todas as suas obrigações para com os povos indígenas resultantes dos instrumentos internacionais, em particular as relativas aos direitos humanos, em consulta e cooperação com os povos interessados,

Enfatizando que corresponde às Nações Unidas desempenhar um papel importante e contínuo de promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas,

Considerando que a presente Declaração constitui um novo passo importante para o reconhecimento, a promoção e a proteção dos direitos e das liberdades dos povos indígenas e para o desenvolvimento de atividades pertinentes ao sistema das Nações Unidas nessa área,

Reconhecendo e reafirmando que os indivíduos indígenas têm direito, sem discriminação, a todos os direitos humanos reconhecidos no direito internacional, e que os povos indígenas possuem direitos coletivos que são indispensáveis para sua existência, bem-estar e desenvolvimento integral como povos,

Reconhecendo também que a situação dos povos indígenas varia conforme as regiões e os países e que se deve levar em conta o significado das particularidades nacionais e regionais e das diversas tradições históricas e culturais,

Proclama solenemente a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, cujo texto figura à continuação, como ideal comum que deve ser perseguido em um espírito de solidariedade e de respeito mútuo:

Artigo 1

Os indígenas têm direito, a título coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos[3] e o direito internacional dos direitos humanos.

Artigo 2

Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena.

Artigo 3

Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

Artigo 4

Os povos indígenas, no exercício do seu direito à autodeterminação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem dos meios para financiar suas funções autônomas.

Artigo 5

Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado. Artigo 6 Todo indígena tem direito a uma nacionalidade.

Artigo 7

1. Os indígenas têm direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e à segurança pessoal.

2. Os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não serão submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência, incluída a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Artigo 8

1. Os povos e pessoas indígenas têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura.

2. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a prevenção e a reparação de:

a) Todo ato que tenha por objetivo ou conseqüência privar os povos e as pessoas indígenas de sua integridade como povos distintos, ou de seus valores culturais ou de sua identidade étnica;

b) Todo ato que tenha por objetivo ou conseqüência subtrair-lhes suas terras, territórios ou recursos.

c) Toda forma de transferência forçada de população que tenha por objetivo ou conseqüência a violação ou a diminuição de qualquer dos seus direitos.

d) Toda forma de assimilação ou integração forçadas.

e) Toda forma de propaganda que tenha por finalidade promover ou incitar a discriminação racial ou étnica dirigida contra eles.

Artigo 9

Os povos e pessoas indígenas têm o direito de pertencerem a uma comunidade ou nação indígena, em conformidade com as tradições e costumes da comunidade ou nação em questão. Nenhum tipo de discriminação poderá resultar do exercício desse direito.

Artigo 10

Os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. Nenhum traslado se realizará sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e eqüitativa e, sempre que possível, com a opção do regresso.

Artigo 11

1. Os povos indígenas têm o direito de praticar e revitalizar suas tradições e costumes culturais. Isso inclui o direito de manter, proteger e desenvolver as manifestações passadas, presentes e futuras de suas culturas, tais como sítios arqueológicos e históricos, utensílios, desenhos, cerimônias, tecnologias, artes visuais e interpretativas e literaturas.

2. Os Estados proporcionarão reparação por meio de mecanismos eficazes, que poderão incluir a restituição, estabelecidos conjuntamente com os povos indígenas, em relação aos bens culturais, intelectuais, religiosos e espirituais de que tenham sido privados sem o seu consentimento livre, prévio e informado, ou em violação às suas leis, tradições e costumes.

Artigo 12

1. Os povos indígenas têm o direito de manifestar, praticar, desenvolver e ensinar suas tradições, costumes e cerimônias espirituais e religiosas; de manter e proteger seus lugares religiosos e culturais e de ter acesso a estes de forma privada; de utilizar e dispor de seus objetos de culto e de obter a repatriação de seus restos humanos.

2. Os Estados procurarão facilitar o acesso e/ou a repatriação de objetos de culto e restos humanos que possuam, mediante mecanismos justos, transparentes e eficazes, estabelecidos conjuntamente com os povos indígenas interessados.

Artigo 13

1. Os povos indígenas têm o direito de revitalizar, utilizar, desenvolver e transmitir às gerações futuras suas histórias, idiomas, tradições orais, filosofias, sistemas de escrita e literaturas, e de atribuir nomes às suas comunidades, lugares e pessoas e de mantê-los.

2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir a proteção desse direito e também para assegurar que os povos indígenas possam entender e ser entendidos em atos políticos, jurídicos e administrativos, proporcionando para isso, quando necessário, serviços de interpretação ou outros meios adequados.

Artigo 14

1. Os povos indígenas têm o direito de estabelecer e controlar seus sistemas e instituições educativos, que ofereçam educação em seus próprios idiomas, em consonância com seus métodos culturais de ensino e de aprendizagem.

2. Os indígenas, em particular as crianças, têm direito a todos os níveis e formas de educação do Estado, sem discriminação.

3. Os Estados adotarão medidas eficazes, junto com os povos indígenas, para que os indígenas, em particular as crianças, inclusive as que vivem fora de suas comunidades, tenham acesso, quando possível, à educação em sua própria cultura e em seu próprio idioma.

Artigo 15

1. Os povos indígenas têm direito a que a dignidade e a diversidade de suas culturas, tradições, histórias e aspirações sejam devidamente refletidas na educação pública e nos meios de informação públicos.

2. Os Estados adotarão medidas eficazes, em consulta e cooperação com os povos indígenas interessados, para combater o preconceito e eliminar a discriminação, e para promover a tolerância, a compreensão e as boas relações entre os povos indígenas e todos os demais setores da sociedade.

Artigo 16

1. Os povos indígenas têm o direito de estabelecer seus próprios meios de informação, em seus próprios idiomas, e de ter acesso a todos os demais meios de informação nãoindígenas, sem qualquer discriminação.

2. Os Estados adotarão medidas eficazes para assegurar que os meios de informação públicos reflitam adequadamente a diversidade cultural indígena. Os Estados, sem prejuízo da obrigação de assegurar plenamente a liberdade de expressão, deverão incentivar os meios de comunicação privados a refletirem adequadamente a diversidade cultural indígena.

Artigo 17

 1. Os indivíduos e povos indígenas têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos estabelecidos no direito trabalhista internacional e nacional aplicável.

2. Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão medidas específicas para proteger as crianças indígenas contra a exploração econômica e contra todo trabalho que possa ser perigoso ou interferir na educação da criança, ou que possa ser prejudicial à saúde ou ao desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social da criança, tendo em conta sua especial vulnerabilidade e a importância da educação para o pleno exercício dos seus direitos.

3. As pessoas indígenas têm o direito de não serem submetidas a condições discriminatórias de trabalho, especialmente em matéria de emprego ou de remuneração.

Artigo 18

Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisões sobre questões que afetem seus direitos, por meio de representantes por eles eleitos de acordo com seus próprios procedimentos, assim como de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomada de decisões.

Artigo 19

Os Estados consultarão e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem.

Artigo 20

1. Os povos indígenas têm o direito de manter e desenvolver seus sistemas ou instituições políticas, econômicas e sociais, de que lhes seja assegurado o desfrute de seus próprios meios de subsistência e desenvolvimento e de dedicar-se livremente a todas as suas atividades econômicas, tradicionais e de outro tipo.

2. Os povos indígenas privados de seus meios de subsistência e desenvolvimento têm direito a uma reparação justa e eqüitativa.

Artigo 21

1. Os povos indígenas têm direito, sem qualquer discriminação, à melhora de suas condições econômicas e sociais, especialmente nas áreas da educação, emprego, capacitação e reconversão profissionais, habitação, saneamento, saúde e seguridade social.

2. Os Estados adotarão medidas eficazes e, quando couber, medidas especiais para assegurar a melhora contínua das condições econômicas e sociais dos povos indígenas. Particular atenção será prestada aos direitos e às necessidades especiais de idosos, mulheres, jovens, crianças e portadores de deficiência indígenas.

Artigo 22

1. Particular atenção será prestada aos direitos e às necessidades especiais de idosos, mulheres, jovens, crianças e portadores de deficiência indígenas na aplicação da presente Declaração.

2. Os Estados adotarão medidas, junto com os povos indígenas, para assegurar que as mulheres e as crianças indígenas desfrutem de proteção e de garantias plenas contra todas as formas de violência e de discriminação.

Artigo 23

Os povos indígenas têm o direito de determinar e elaborar prioridades e estratégias para o exercício do seu direito ao desenvolvimento. Em especial, os povos indígenas têm o direito de participar ativamente da elaboração e da determinação dos programas de saúde, habitação e demais programas econômicos e sociais que lhes afetem e, na medida do possível, de administrar esses programas por meio de suas próprias instituições.

Artigo 24

1. Os povos indígenas têm direito a seus medicamentos tradicionais e a manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas plantas, animais e minerais de interesse vital do ponto de vista médico. As pessoas indígenas têm também direito ao acesso, sem qualquer discriminação, a todos os serviços sociais e de saúde.

2. Os indígenas têm o direito de usufruir, por igual, do mais alto nível possível de saúde física e mental. Os Estados tomarão as medidas que forem necessárias para alcançar progressivamente a plena realização deste direito.

Artigo 25

Os povos indígenas têm o direito de manter e de fortalecer sua própria relação espiritual com as terras, territórios, águas, mares costeiros e outros recursos que tradicionalmente possuam ou ocupem e utilizem, e de assumir as responsabilidades que a esse respeito incorrem em relação às gerações futuras.

Artigo 26

1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido.

2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido.

3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.

Artigo 27

Os Estados estabelecerão e aplicarão, em conjunto com os povos indígenas interessados, um processo eqüitativo, independente, imparcial, aberto e transparente, no qual sejam devidamente reconhecidas as leis, tradições, costumes e regimes de posse da terra dos povos indígenas, para reconhecer e adjudicar os direitos dos povos indígenas sobre suas terras, territórios e recursos, compreendidos aqueles que tradicionalmente possuem, ocupam ou de outra forma utilizem. Os povos indígenas terão direito de participar desse processo.

Artigo 28

1. Os povos indígenas têm direito à reparação, por meios que podem incluir a restituição ou, quando isso não for possível, uma indenização justa, imparcial e eqüitativa, pelas terras, territórios e recursos que possuíam tradicionalmente ou de outra forma ocupavam ou utilizavam, e que tenham sido confiscados, tomados, ocupados, utilizados ou danificados sem seu consentimento livre, prévio e informado.

2. Salvo se de outro modo livremente decidido pelos povos interessados, a indenização se fará sob a forma de terras, territórios e recursos de igual qualidade, extensão e condição jurídica, ou de uma indenização pecuniária ou de qualquer outra reparação adequada.

Artigo 29

1. Os povos indígenas têm direito à conservação e à proteção do meio ambiente e da capacidade produtiva de suas terras ou territórios e recursos. Os Estados deverão estabelecer e executar programas de assistência aos povos indígenas para assegurar essa conservação e proteção, sem qualquer discriminação.

2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir que não se armazenem, nem se eliminem materiais perigosos nas terras ou territórios dos povos indígenas, sem seu consentimento livre, prévio e informado.

3. Os Estados também adotarão medidas eficazes para garantir, conforme seja necessário, que programas de vigilância, manutenção e restabelecimento da saúde dos povos indígenas afetados por esses materiais, elaborados e executados por esses povos, sejam devidamente aplicados.

 Artigo 30

1. Não se desenvolverão atividades militares nas terras ou territórios dos povos indígenas, a menos que essas atividades sejam justificadas por um interesse público pertinente ou livremente decididas com os povos indígenas interessados, ou por estes solicitadas.

2. Os Estados realizarão consultas eficazes com os povos indígenas interessados, por meio de procedimentos apropriados e, em particular, por intermédio de suas instituições representativas, antes de utilizar suas terras ou territórios para atividades militares.

Artigo 31

1. Os povos indígenas têm o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, suas expressões culturais tradicionais e as manifestações de suas ciências, tecnologias e culturas, compreendidos os recursos humanos e genéticos, as sementes, os medicamentos, o conhecimento das propriedades da fauna e da flora, as tradições orais, as literaturas, os desenhos, os esportes e jogos tradicionais e as artes visuais e interpretativas. Também têm o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver sua propriedade intelectual sobre o mencionado patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais e suas expressões culturais tradicionais.

2. Em conjunto com os povos indígenas, os Estados adotarão medidas eficazes para reconhecer e proteger o exercício desses direitos.

Artigo 32

 1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos.

2. Os Estados celebrarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo.

3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e eqüitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas conseqüências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual.

Artigo 33

 1. Os povos indígenas têm o direito de determinar sua própria identidade ou composição conforme seus costumes e tradições. Isso não prejudica o direito dos indígenas de obterem a cidadania dos Estados onde vivem.

 2. Os povos indígenas têm o direito de determinar as estruturas e de eleger a composição de suas instituições em conformidade com seus próprios procedimentos.

Artigo 34

Os povos indígenas têm o direito de promover, desenvolver e manter suas estruturas institucionais e seus próprios costumes, espiritualidade, tradições, procedimentos, práticas e, quando existam, costumes ou sistema jurídicos, em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos.

 Artigo 35

 Os povos indígenas têm o direito de determinar as responsabilidades dos indivíduos para com suas comunidades.

Artigo 36

 1. Os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais, têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos através das fronteiras.

2. Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão medidas eficazes para facilitar o exercício e garantir a aplicação desse direito.

Artigo 37

1. Os povos indígenas têm o direito de que os tratados, acordos e outros arranjos construtivos concluídos com os Estados ou seus sucessores sejam reconhecidos, observados e aplicados e de que os Estados honrem e respeitem esses tratados, acordos e outros arranjos construtivos.

 2. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado de forma a diminuir ou suprimir os direitos dos povos indígenas que figurem em tratados, acordos e outros arranjos construtivos.

Artigo 38

Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão as medidas apropriadas, incluídas medidas legislativas, para alcançar os fins da presente Declaração.

Artigo 39

Os povos indígenas têm direito a assistência financeira e técnica dos Estados e por meio da cooperação internacional para o desfrute dos direitos enunciados na presente Declaração.

Artigo 40

Os povos indígenas têm direito a procedimentos justos e eqüitativos para a solução de controvérsias com os Estados ou outras partes e a uma decisão rápida sobre essas controvérsias, assim como a recursos eficazes contra toda violação de seus direitos individuais e coletivos. Essas decisões tomarão devidamente em consideração os costumes, as tradições, as normas e os sistemas jurídicos dos povos indígenas interessados e as normas internacionais de direitos humanos.

Artigo 41

Os órgãos e organismos especializados do sistema das Nações Unidas e outras organizações intergovernamentais contribuirão para a plena realização das disposições da presente Declaração mediante a mobilização, especialmente, da cooperação financeira e da assistência técnica. Serão estabelecidos os meios para assegurar a participação dos povos indígenas em relação aos assuntos que lhes afetem.

Artigo 42

As Nações Unidas, seus órgãos, incluindo o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, e organismos especializados, particularmente em nível local, bem como os Estados, promoverão o respeito e a plena aplicação das disposições da presente Declaração e zelarão pela eficácia da presente Declaração.

Artigo 43

Os direitos reconhecidos na presente Declaração constituem as normas mínimas para a sobrevivência, a dignidade e o bem-estar dos povos indígenas do mundo.

 Artigo 44

Todos os direitos e as liberdades reconhecidos na presente Declaração são garantidos igualmente para o homem e a mulher indígenas.

Artigo 45

Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no sentido de reduzir ou suprimir os direitos que os povos indígenas têm na atualidade ou possam adquirir no futuro.

Artigo 46

1. Nada do disposto na presente Declaração será interpretado no sentido de conferir a um Estado, povo, grupo ou pessoa qualquer direito de participar de uma atividade ou de realizar um ato contrário à Carta das Nações Unidas ou será entendido no sentido de autorizar ou de fomentar qualquer ação direcionada a desmembrar ou a reduzir, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes.

2. No exercício dos direitos enunciados na presente Declaração, serão respeitados os diretos humanos e as liberdades fundamentais de todos. O exercício dos direitos estabelecidos na presente Declaração estará sujeito exclusivamente às limitações previstas em lei e em conformidade com as obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. Essas limitações não serão discriminatórias e serão somente aquelas estritamente necessárias para garantir o reconhecimento e o respeito devidos aos direitos e às liberdades dos demais e para satisfazer as justas e mais urgentes necessidades de uma sociedade democrática.

3. As disposições enunciadas na presente Declaração serão interpretadas em conformidade com os princípios da justiça, da democracia, do respeito aos direitos humanos, da igualdade, da não-discriminação, da boa governança e da boa-fé.

[1] Ver a resolução 2200 A (XXI), anexo.  1 Ver a resolução 2200 A (XXI), anexo.

[2] A/CONF.157/24 (Parte I), cap. III.

[3] Resolução 217 A (III).

FONTE: UNIC RIO (Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil)