sábado, 19 de outubro de 2024

DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS


Apresentação

Entre os dias 6 e 8 de abril e, posteriormente, entre 20 e 24 de junho de 2005, foram realizadas em Paris, França, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, respectivamente, a Primeira e Segunda Reunião dos Peritos Governamentais de diferentes países membros daquele organismo para definir o texto final da futura Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. O Brasil foi representado pela Delegação oficial do país na UNESCO chefiada pelo Embaixador Antonio Augusto Dayrell de Lima, secundado pelo Ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado e pelo Secretário Álvaro Luiz Vereda de Oliveira. Na ocasião, tive a honra de assessorar a representação brasileira como Delegado Oficial no Evento, designado pelo Presidente da República por meio de ato oficial.
Estas reuniões contaram com a participação de mais de 90 países e se caracterizaram, desde o início, por um grande divisor de posições entre os países ricos e pobres. As nações desenvolvidas, defendiam um documento que restringisse a bioética aos tópicos biomédico e biotecnológicos. O Brasil teve papel decisivo na ampliação do texto para os campos sanitário, social e ambiental. Com o apoio inestimável de todas as demais delegações latino-americanas presentes, secundadas pelos países africanos e pela Índia, o teor final da Declaração pode ser considerado como uma grande vitória das nações em desenvolvimento. Essa minuta da Declaração, cuidadosamente construída pelos países-membro das Nações Unidas foi, posteriormente, em 19 de outubro de 2005, levado à 33ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO realizada também em Paris, onde foi aprovada por aclamação pela unanimidade dos 191 países componentes da Organização.
Pelo conteúdo da Declaração se pode perceber com clareza o acerto da bioética brasileira, por meio das ações desenvolvidas nos últimos anos pela SBB, quando a entidade decidiu aproximar decisivamente suas ações ao campo da saúde pública e à agenda social. A definição do tema oficial do Sexto Congresso Mundial de Bioética, realizado em Brasília, em 2002, já prenunciava uma significativa ampliação conceitual para a disciplina: Bioética, Poder e Injustiça.
O teor da Declaração muda profundamente agenda da bioética do Século XXI, democratizando-a e tornando-a mais aplicada e comprometida com as populações vulneráveis, as mais necessitadas. O Brasil e a América Latina mostraram ao mundo uma participação acadêmica, atualizada e ao mesmo tempo militante nos temas da bioética, com resultados práticos e concretos, como é o caso da presente Declaração, mais um instrumento à disposição da democracia no sentido do aperfeiçoamento da cidadania e dos direitos humanos universais.

A Conferência Geral,

Consciente da capacidade única dos seres humanos de refletir sobre sua própria existência e sobre o seu meio ambiente; de perceber a injustiça; de evitar o perigo; de assumir responsabilidade; de buscar cooperação e de demonstrar o sentido moral que dá expressão a princípios éticos,
Refletindo sobre os rápidos avanços na ciência e na tecnologia, que progressivamente afetam nossa compreensão da vida e a vida em si, resultando em uma forte exigência de uma resposta global para as implicações éticas de tais desenvolvimentos,
Reconhecendo que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na ciência e suas aplicações tecnológicas devem ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana e no cumprimento e respeito universais pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, 
Deliberando ser necessário e oportuno que a comunidade internacional declare princípios universais que proporcionarão uma base para a resposta da humanidade aos sempre crescentes dilemas e controvérsias que a ciência e a tecnologia apresentam à espécie humana e ao meio ambiente,
Recordando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO, em 11 de Novembro de 1997 e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 16 de Outubro de 2003,
Recordando o Pacto Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de Dezembro de 1965, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 18 de Dezembro de 1979, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, de 5 de Junho de 1992, os Parâmetros Normativos sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades, adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1993, a Convenção de OIT (n.º 169) referente a Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27 de Junho de 1989, o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para a Alimentação e a Agricultura, adotado pela Conferência da FAO em 3 de Novembro de 2001 e que entrou em vigor em 29 de Junho de 2004, a Recomendação da UNESCO sobre a Importância dos Pesquisadores Científicos, de 20 de Novembro de 1974, a Declaração da UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial, de 27 de Novembro de 1978, a Declaração da UNESCO sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com as Gerações Futuras, de 12 de Novembro de 1997, a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2 de Novembro de 2001, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) anexo ao Acordo de Marraqueche, que estabelece a Organização Mundial do Comércio, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995, a Declaração de Doha sobre o Acordo de TRIPS e a Saúde Pública, de 14 de Novembro de 2001, e outros instrumentos internacionais relevantes adotados pela Organização das Nações Unidas e pelas agências especializadas do sistema da Organização das Nações Unidas, em particular a Organização para a Alimentação e a Agricultura da Organização das Nações Unidas (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS),
Recordando o Pacto Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de Dezembro de 1965, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 18 de Dezembro de 1979, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, de 5 de Junho de 1992, os Parâmetros Normativos sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades, adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1993, a Convenção de OIT (n.º 169) referente a Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27 de Junho de 1989, o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para a Alimentação e a Agricultura, adotado pela Conferência da FAO em 3 de Novembro de 2001 e que entrou em vigor em 29 de Junho de 2004, a Recomendação da UNESCO sobre a Importância dos Pesquisadores Científicos, de 20 de Novembro de 1974, a Declaração da UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial, de 27 de Novembro de 1978, a Declaração da UNESCO sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com as Gerações Futuras, de 12 de Novembro de 1997, a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2 de Novembro de 2001, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) anexo ao Acordo de Marraqueche, que estabelece a Organização Mundial do Comércio, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995, a Declaração de Doha sobre o Acordo de TRIPS e a Saúde Pública, de 14 de Novembro de 2001, e outros instrumentos internacionais relevantes adotados pela Organização das Nações Unidas e pelas agências especializadas do sistema da Organização das Nações Unidas, em particular a Organização para a Alimentação e a Agricultura da Organização das Nações Unidas (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS),
Observando, ainda, instrumentos internacionais e regionais no campo da bioética, incuindo a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano com respeito às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa, adotada em 1997 e que entrou em vigor em 1999 e seus protocolos adicionais, bem como legislação e regulamentações nacionais no campo da bioética, códigos internacionais e regionais de conduta, diretrizes e outros textos no campo da bioética, tais como a Declaração de Helsinque, da Associação Médica Mundial, sobre Princípios Éticos para a Pesquisa Biomédica Envolvendo Sujeitos Humanos, adotada em 1964 e emendada em 1975, 1989, 1993, 1996, 2000 e 2002, e as Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos, do Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas, adotadas em 1982 e emendadas em 1993 e 2002; 
Reconhecendo que a presente Declaração deve ser interpretada de modo consistente com a legislação doméstica e o direito internacional, em conformidade com as regras sobre direitos humanos; 
Tendo presente a Constituição da UNESCO, adotada em 16 de Novembro de 1945,
Considerando o papel da UNESCO na identificação de princípios universais baseados em valores éticos compartilhados para o desenvolvimento científico e tecnológico e a transformação social, de modo a identificar os desafios emergentes em ciência e tecnologia, levando em conta a responsabilidade da geração presente para com as gerações futuras e que as questões da bioética, que necessariamente possuem uma dimensão internacional, devem ser tratadas como um todo, inspirando-se nos princípios já estabelecidos pela Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos e pela Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos e levando em conta não somente o atual contexto científico, mas também desenvolvimentos futuros,
Consciente de que os seres humanos são parte integrante da biosfera, com um papel importante na proteção um do outro e das demais formas de vida, em particular dos animais,
Reconhecendo, com base na liberdade da ciência e da pesquisa, que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos têm sido e podem ser de grande benefício para a humanidade inter alia no aumento da expectativa e na melhoria da qualidade de vida, e enfatizando que tais desenvolvimentos devem sempre buscar promover o bem-estar dos indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e da humanidade como um todo no reconhecimento da dignidade da pessoa humana e no respeito universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais,
Reconhecendo que a saúde não depende unicamente dos desenvolvimentos decorrentes das pesquisas científicas e tecnológicas, mas também de fatores psico-sociais e culturais,
Reconhecendo, ainda, que decisões sobre questões éticas na medicina, nas ciências da vida e nas tecnologias associadas podem ter impacto sobre indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e sobre a humanidade como um todo, 
Tendo presente que a diversidade cultural, como fonte de intercâmbio, inovação e criatividade, é necessária aos seres humanos e, nesse sentido, constitui patrimônio comum da humanidade, enfatizando, contudo, que esta não pode ser invocada à custa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais,
Tendo igualmente presente que a identidade de um indivíduo inclui dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais, 
Reconhecendo que condutas científicas e tecnológicas antiéticas já produziram impacto específico em comunidades indígenas e locais, 
Convencida de que a sensibilidade moral e a reflexão ética devem ser parte integrante do processo de desenvolvimento científico e tecnológico e de que a bioética deve desempenhar um papel predominante nas escolhas que precisam ser feitas sobre as questões que emergem de tal desenvolvimento, 
Considerando o desejo de desenvolver novos enfoques relacionados à responsabilidade social de modo a assegurar que o progresso da ciência e da tecnologia contribua para a justiça, a equidade e para o interesse da humanidade,
Reconhecendo que conceder atenção à posição das mulheres é uma forma importante de avaliar as realidades sociais e alcançar equidade,
Dando ênfase à necessidade de reforçar a cooperação internacional no campo da bioética, levando particularmente em consideração as necessidades específicas dos países em desenvolvimento, das comunidades indígenas e das populações vulneráveis, 
Considerando que todos os seres humanos, sem distinção, devem se beneficiar dos mesmos elevados padrões éticos na medicina e nas pesquisas em ciências da vida,
Proclama os princípios a seguir e adota a presente Declaração.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1 – Escopo
a) A Declaração trata das questões éticas relacionadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais. 
b) A presente Declaração é dirigida aos Estados. Quando apropriado e pertinente, ela também oferece orientação para decisões ou práticas de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas.

Artigo 2 – Objetivos
Os objetivos desta Declaração são:
(I) prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos para orientar os Estados na formulação de sua legislação, políticas ou outros instrumentos no campo da bioética;
(II) orientar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas;
(III) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com a legislação internacional de direitos humanos;
(IV) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais;
(V) promover o diálogo multidisciplinar e pluralístico sobre questões bioéticas entre todos os interessados e na sociedade como um todo;
(VI) promover o acesso equitativo aos desenvolvimentos médicos, científicos e tecnológicos, assim como a maior difusão possível e o rápido compartilhamento de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos e a participação nos benefícios, com particular atenção às necessidades de países em desenvolvimento;
(VII) salvaguardar e promover os interesses das gerações presentes e futuras; e
(VIII) ressaltar a importância da biodiversidade e sua conservação como uma preocupação comum da humanidade.

PRINCÍPIOS
Conforme a presente Declaração, nas decisões tomadas ou práticas desenvolvidas por aqueles a quem ela é dirigida, devem ser respeitados os princípios a seguir.

Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos
a) A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.
b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade. 

Artigo 4 – Benefício e Dano
Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, sujeitos de pesquisa e outros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível a tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trate da aplicação e do avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e tecnologias associadas.

Artigo 5 – Autonomia e Responsabilidade Individual
Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia.

Artigo 6 – Consentimento
a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito.
b) A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre, expresso e esclarecido consentimento do indivíduo envolvido. A informação deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e incluir os procedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer hora e por qualquer razão, sem acarretar qualquer desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípio somente devem ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos e legais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões da presente Declaração, particularmente com o Artigo 27 e com os direitos humanos.
c) Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo de indivíduos ou comunidade, um consentimento adicional dos representantes legais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhum caso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de um líder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimento informado individual.

Artigo 7 – Indivíduos sem a Capacidade para Consentir
Em conformidade com a legislação, proteção especial deve ser dada a indivíduos sem a capacidade para fornecer consentimento: 
a) a autorização para pesquisa e prática médica deve ser obtida no melhor interesse do indivíduo envolvido e de acordo com a legislação nacional. Não obstante, o indivíduo afetado deve ser envolvido, na medida do possível, tanto no processo de decisão sobre consentimento assim como sua retirada;
b) a pesquisa só deve ser realizada para o benefício direto à saúde do indivíduo envolvido, estando sujeita à autorização e às condições de proteção prescritas pela legislação e caso não haja nenhuma alternativa de pesquisa de eficácia comparável que possa incluir sujeitos de pesquisa com capacidade para fornecer consentimento. Pesquisas sem potencial benefício direto à saúde só devem ser realizadas excepcionalmente, com a maior restrição, expondo o indivíduo apenas a risco e desconforto mínimos e quando se espera que a pesquisa contribua com o benefício à saúde de outros indivíduos na mesma categoria, sendo sujeitas às condições prescritas por lei e compatíveis com a proteção dos direitos humanos do indivíduo. A recusa de tais indivíduos em participar de pesquisas deve ser respeitada.

Artigo 8 – Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual
A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual de cada um deve ser respeitada

Artigo 9 – Privacidade e Confidencialidade
A privacidade dos indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suas informações devem ser respeitadas. Com esforço máximo possível de proteção, tais informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos que não aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas, em consonância com o direito internacional, em particular com a legislação internacional sobre direitos humanos.

Artigo 10 – Igualdade, Justiça e Equidade
A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de forma justa e equitativa.

Artigo 11 – Não-Discriminação e Não-Estigmatização
Nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Artigo 12 – Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo
A importância da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princípios dispostos nesta Declaração, ou para limitar seu escopo.

Artigo 13 – Solidariedade e Cooperação
A solidariedade entre os seres humanos e cooperação internacional para este fim devem ser estimuladas. 

Artigo 14 – Responsabilidade Social e Saúde
a) A promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade. 
b) Considerando que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar:
(I) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano;
(II) o acesso a nutrição adequada e água de boa qualidade;
(III) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente;
(IV) a eliminação da marginalização e da exclusão de indivíduos por qualquer que seja o motivo; e
(V) a redução da pobreza e do analfabetismo.

Artigo 15 – Compartilhamento de Benefícios
a) Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suas aplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um todo e, no âmbito da comunidade internacional, em especial com países em desenvolvimento. Para dar efeito a esse princípio, os benefícios podem assumir quaisquer das seguintes formas:
(I) ajuda especial e sustentável e reconhecimento aos indivíduos e grupos que tenham participado de uma pesquisa;
(II) acesso a cuidados de saúde de qualidade;
(III) oferta de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas ou de produtos resultantes da pesquisa; 
(IV) apoio a serviços de saúde;
(V) acesso ao conhecimento científico e tecnológico;
(VI) facilidades para geração de capacidade em pesquisa; e
(VII) outras formas de benefício coerentes com os princípios dispostos na presente Declaração.
b) Os benefícios não devem constituir indução inadequada para estimular a participação em pesquisa.

Artigo 16 – Proteção das Gerações Futuras 
O impacto das ciências da vida sobre gerações futuras, incluindo sobre sua constituição genética, deve ser devidamente considerado.

Artigo 17 – Proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade
Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos com outras formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursos biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papel dos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade.

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

Artigo 18 – Tomada de Decisão e o Tratamento de Questões Bioéticas
a) Devem ser promovidos o profissionalismo, a honestidade, a integridade e a transparência na tomada de decisões, em particular na explicitação de todos os conflitos de interesse e no devido compartilhamento do conhecimento. Todo esforço deve ser feito para a utilização do melhor conhecimento científico e metodologia disponíveis no tratamento e constante revisão das questões bioéticas.
b) Os indivíduos e profissionais envolvidos e a sociedade como um todo devem estar incluídos regularmente num processo comum de diálogo.
c) Deve-se promover oportunidades para o debate público pluralista, buscando-se a manifestação de todas as opiniões relevantes.

Artigo 19 – Comitês de Ética 
Comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas devem ser instituídos, mantidos e apoiados em nível adequado com o fim de:
(I) avaliar questões éticas, legais, científicas e sociais relevantes relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos;
(II) prestar aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas;
(III) avaliar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, formular recomendações e contribuir para a elaboração de diretrizes sobre temas inseridos no âmbito da presente Declaração; e
(IV) promover o debate, a educação, a conscientização do público e o engajamento com a bioética.

Artigo 20 – Avaliação e Gerenciamento de Riscos 
Deve-se promover a avaliação e o gerenciamento adequado de riscos relacionados à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas.

Artigo 21 – Práticas Transnacionais
a) Os Estados, as instituições públicas e privadas, e os profissionais associados a atividades transnacionais devem empreender esforços para assegurar que qualquer atividade no escopo da presente Declaração que seja desenvolvida, financiada ou conduzida de algum modo, no todo ou em parte, em diferentes Estados, seja coerente com os princípios da presente Declaração.
b) Quando a pesquisa for empreendida ou conduzida em um ou mais Estados [Estado(s) hospedeiro(s)] e financiada por fonte de outro Estado, tal pesquisa deve ser objeto de um nível adequado de revisão ética no(s) Estado(s) hospedeiro(s) e no Estado no qual o financiador está localizado. Esta revisão deve ser baseada em padrões éticos e legais consistentes com os princípios estabelecidos na presente Declaração. 
c) Pesquisa transnacional em saúde deve responder às necessidades dos países hospedeiros e deve ser reconhecida sua importância na contribuição para a redução de problemas de saúde globais urgentes. 
d) Na negociação de acordos para pesquisa, devem ser estabelecidos os termos da colaboração e a concordância sobre os benefícios da pesquisa com igual participação de todas as partes na negociação. 
e) Os Estados devem tomar medidas adequadas, em níveis nacional e internacional, para combater o bioterrorismo e o tráfico ilícito de órgãos, tecidos, amostras, recursos genéticos e materiais genéticos. 

PROMOÇÃO DA DECLARAÇÃO

Artigo 22 – Papel dos Estados 
a) Os Estados devem tomar todas as medidas adequadas de caráter legislativo, administrativo ou de qualquer outra natureza, de modo a implementar os princípios estabelecidos na presente Declaração e em conformidade com o direito internacional e com os direitos humanos. Tais medidas devem ser apoiadas por ações nas esferas da educação, formação e informação ao público.
b) Os Estados devem estimular o estabelecimento de comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas, conforme o disposto no Artigo 19.

Artigo 23 – Informação, Formação e Educação em Bioética
a) De modo a promover os princípios estabelecidos na presente Declaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos avanços científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos os níveis, bem como estimular programas de disseminação de informação e conhecimento sobre bioética.
b) Os Estados devem estimular a participação de organizações intergovernamentais, internacionais e regionais e de organizações não-governamentais internacionais, regionais e nacionais neste esforço.

Artigo 24 – Cooperação Internacional
a) Os Estados devem promover a disseminação internacional da informação científica e estimular a livre circulação e o compartilhamento do conhecimento científico e tecnológico.
b) Ao abrigo da cooperação internacional, os Estados devem promover a cooperação cultural e científica e estabelecer acordos bilaterais e multilaterais que possibilitem aos países em desenvolvimento construir capacidade de participação na geração e compartilhamento do conhecimento científico, do know-how relacionado e dos benefícios decorrentes. 
c) Os Estados devem respeitar e promover a solidariedade entre Estados, bem como entre indivíduos, famílias, grupos e comunidades, com atenção especial para aqueles tornados vulneráveis por doença ou incapacidade ou por outras condições individuais, sociais ou ambientais e aqueles indivíduos com maior limitação de recursos. 

Artigo 25 – Ação de Acompanhamento pela UNESCO
a) A UNESCO promoverá e disseminará os princípios da presente Declaração. Para tanto, a UNESCO buscará apoio e assistência do Comitê Intergovernamental de Bioética (IGBC) e do Comitê Internacional de Bioética (IBC).
b) A UNESCO reafirmará seu compromisso em tratar de bioética e em promover a colaboração entre o IGBC e o IBC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Artigo 26 – Inter-relação e Complementaridade dos Princípios
A presente Declaração deve ser considerada em sua totalidade e seus princípios devem ser compreendidos como complementares e interrelacionados. Cada princípio deve ser interpretado no contexto dos demais, de forma pertinente e adequada a cada circunstância.

Artigo 27 – Limitações à Aplicação dos Princípios
Se a aplicação dos princípios da presente Declaração tiver que ser limitada, tal limitação deve ocorrer em conformidade com a legislação, incluindo a legislação referente aos interesses de segurança pública para a investigação, constatação e acusação por crimes, para a proteção da saúde pública ou para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Quaisquer dessas legislações devem ser consistentes com a legislação internacional sobre direitos humanos.

Artigo 28 – Recusa a Atos Contrários aos Direitos Humanos, às Liberdades Fundamentais e Dignidade Humana
Nada nesta Declaração pode ser interpretado como podendo ser invocado por qualquer Estado, grupo ou indivíduo, para justificar envolvimento em qualquer atividade ou prática de atos contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana.

-> O Dia Mundial da Bioética é comemorado em 19 de outubro.